quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cultivando o Reino

Quando a manhã se despedia do dia e nos cumprimentava com a tarde recém-chegada, um telefonema novamente rasgou o véu do meu dia. Aquela voz cansada, mas forte, de senhora e mulher cheia de fé, me ligava para me exalar cuidados. O marido no hospital, dor e apreensão se misturavam com a coragem nutrida pela fé que ela trazia gravada na alma e que reconhecia no seu falar firme e maternal. Ligara para saber notícias do seu marido. Contou-me os detalhes. Reverberou fé em cada enunciado descrito. No fim, perguntou-me se podia levar a eucaristia à ele no hospital. Disse que sim. Nada programado. Pedido imediato que esbarra no meu cotidiano e desalinha a minha rotina. Ao responder, não pensei nos desalinhos do dia, mas na linha reta e coerente do seguimento à Jesus. “Sim” que desalinha cotidianos, mas que me alinha ao Seu chamado; ao exercício proposto por Ele para a minha vida. “Sim” breve e de pequenas proporções que não chega a radicalizar mudanças na rota dos meus dias, mas que reconheço como exercício divino escrito no caderno da vida para me preparar para futuro “sim” que talvez me declare mudança de estação na vida. Na pedagogia de Deus vou aprendendo a dar o meu “sim” e me comprometendo mais e mais com as Suas causas. Como aluno aplicado, não perco as lições. Imagino onde Ele quer chegar e o coração arde sobre isso.

Temendo me nutrir cansaços com aquele pedido inusitado, hesitou. No seu cansaço pensou em cuidar dos meus cansaços, ela que devotadamente já tem cuidado dos cansaços do esposo amado. Agradeci a preocupação e disse que iria. No meu “sim” tem de caber a conjugação do verbo “cuidar”, “ir” e “amar” em Jesus, com Jesus e para Jesus o próximo. No “sim” de Maria, o Verbo divino se faz carne em seu ventre e veio habitar entre nós. Conjugou-se na História. No seu “sim” a Deus, Maria também conjugou os verbos “cuidar”, “ir” e “amar” com, para e em Jesus. Grávida do Senhor, foi até a casa de sua prima Isabel, cuidou e amou a prima idosa que inspirava cuidados. Quis fazer o mesmo naquela tarde. Imitar o filho, refazendo os gestos da sua mãe. Autorizado pelo meu pároco, recebi dele novos cuidados e fui.

No quarto daquele hospital, achei que conjugaria pessoalmente os verbos anunciados. Pretendia ser eu mesmo, portador do Jesus presente na Eucaristia, o portador de cuidados. Mas ali, meus olhos contemplaram aquele verbo já bem conjugado no corpo e na alma daquela mulher que segurava o corpo curvado do esposo amado naquele leito. No sofrimento declarado, não esqueceu o sorriso que cuidava da minha chegada. Naquele quarto de hospital respirei o amor que exalava em cada gesto daquela mulher, misturado ao cheiro de gratidão daquele homem que se reconhecia amado e amava. Lindo cenário para se viver a eucaristia, naquele lugar onde vidas se faziam eucaristia para os outros. Ele comungou do pão eucarístico servido e eu comunguei do cuidado e do amor que me serviam. No meu “sim”daquela tarde, cuidei e fui cuidado; alimentei e fui alimentado.

Depois, voltei para casa com a certeza de que fui e sou cuidado por Deus na humanidade daqueles que passam por mim. Meu esforço é de fazer o mesmo. Através da minha humanidade ser cuidado de Deus na vida do outro. Deus nos confia o próximo para guardá-lo e cuidá-lo. Na sua carta Encíclica Evangelium Vitae, o Papa João Paulo II nos narra e explica a passagem em Gênesis do descuido de Caim para com Abel, morto pelo próprio irmão. O primeiro fraticídio da humanidade; a primeira falta de cuidado com o mais próximo. Dizia Sumo Pontífice: “Precisamente neste sentido, se pode interpretar a resposta de Caim à pergunta do Senhor ‘onde está Abel, teu irmão?’(Gn 4,9). Sim, todo homem é ‘guarda do seu irmão’, porque Deus confia o homem ao homem.” Guardemos no coração esta certeza e exercitemos mais na vida a conjugação fiel e aplicada daqueles verbos que Deus nos confia em Suas lições. Às vezes vamos errar o tempo dos verbos, mas não tem problema. Nas lições de Deus, o verbo é para ser conjugado sempre no presente; no hoje; no agora que temos: Eu vou; eu cuido; eu amo. É o que escrevo.

Por: Fernando Lino

Modified by Blogger Tutorial

Ministério Kephas ©Template Nice Blue. Modified by Indian Monsters. Original created by http://ourblogtemplates.com Blogger Styles | Best Credit Card Offers

TOP